Direito Tributário E Empresarial

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COMO PESSOA JURÍDICA – MATÉRIA NOVA E  RELEVANTE

Zoccoli Advogados reproduz o artigo abaixo, tendo em vista sua utilidade prática e autoridade científica, que o torna útil e relevante para quem se debruça com esse tema que diz  com a prestação de serviços por profissionais organizados como pessoa jurídica.

Desde logo salientamos nossa posição favorável a atual tendência da Suprema Corte brasileira a qual representa liberdade de  contratação e reflete avanço nas relações de trabalho, em contrapartida sem representar exploração indevida do trabalhador economicamente vulnerável.

“STF chancela pejotização e outras formas alternativas de trabalho”

É certo que as últimas decisões proferidas pelo Suprema Corte têm causado inúmeras inquietações para os estudiosos e operadores do direito, principalmente para os que atuam na Justiça do Trabalho.

Dito isso, recentemente, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu no julgamento da reclamação constitucional (RCL) nº 57.917 [1] a legalidade da contratação de um médico, como pessoa jurídica. Esse procedimento é conhecido no universo jurídico laboral como “pejotização”.

leading case abordou a licitude da contratação na terceirização dos serviços, sendo invocadas decisões já proferidas sobre esta temática. Em decisão monocrática, o ministro Edson Fachin havia negado seguimento à reclamação constitucional [2]. Contudo, quando do julgamento do agravo regimental, prevaleceu o voto divergente do ministro Dias Toffoli, no sentido de julgar procedente a reclamação e, com isso, a decisão proferida anteriormente pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que reconhecia o vínculo entre o médico e um grupo hospitalar, foi cassada.

Por certo, a temática é polêmica, tanto que o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, desta ConJur [3], razão pela qual agradecemos o contato.

Aliás, impende destacar que o STF adotou posicionamento semelhante no julgamento da RCL nº 47.843 [4], de forma que a 1ª Turma, por maioria de votos, julgou outra reclamação constitucional procedente nos termos do voto do ministro Alexandre de Moraes, vencidas as ministras Carmen Lucia e Rosa Weber. Na ocasião, prevaleceu o entendimento:

“Aliás, em caso análogo, também envolvendo, na questão de fundo, discussão sobre ilicitude na terceirização por ‘pejotização’, por meio da contratação de pessoa jurídica formada por médicos prestadores de serviços terceirizados a hospital tomador de serviços, a 1ª Turma já decidiu em conformidade com o aqui proposto: trata-se da Rcl 39.351 AgR (relatora ministra ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020)” [5].

Sob esta perspectiva, verifica-se que o entendimento, doravante, da 1ª e 2ª Turmas do STF parece caminhar no sentido de chancelar a “pejotização” de profissionais liberais que são contratados por intermédio de pessoas jurídicas, com fundamento na decisão proferida no Tema 725 da terceirização de serviços [6].

Na mesma linha de raciocínio, no julgamento da RCL nº 53.899, em decisão monocrática o ministro Dias Toffoli também cassou decisão do TRT-MG da 3ª Região, que reconheceu o vínculo de emprego entre uma advogada e um escritório de advocacia [7]. E, conquanto interposto recurso de agravo regimental, a 2ª Turma, por maioria, negou provimento ao apelo, nos termos do voto do relator, vencido o ministro Edson Fachin.

Entretanto, vale lembrar que a “pejotização” é conhecida no meio jurídico como uma prática ilegal para mascarar uma verdadeira relação de emprego, e, por conseguinte, obter a redução de custos. Isto ocorre quando o contrato de trabalho de uma pessoa física transmuta para um contrato civil de prestação de serviços através de uma pessoa jurídica.

Tal procedimento da “pejotização”, contudo, não se confunde com a autêntica terceirização, na qual é feita a transferência lícita da atividade-meio da contratante para uma empresa prestadora de serviços, que seja especializada e possua capacidade econômica coadunável com a sua execução, podendo, inclusive, ser transferida a sua atividade principal.

Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos do professor e procurador do Ministério Público do Trabalho, Ronaldo Lima dos Santos.

“Como elucida Célia Regina Camachi Stander, o vocábulo ‘pejotização’ constitui um neologismo originado da sigla ‘PJ’, a qual é utilizada para designar a expressão ‘pessoa jurídica’. Por meio do processo de pejotização o empregador exige que o trabalhador constitua uma pessoa jurídica (empresa individual) para a sua admissão ou permanência no emprego, formalizando-se um contrato de natureza comercial ou civil, com a consequente emissão de notas fiscais pelo trabalhador, não obstante a prestação de serviços revelar-se como típica relação empregatícia.
Conquanto a ‘pejotização’ encontrar-se presente em diversos setores econômicos e ramos de atividade, há alguns setores emblemáticos, nos quais esse procedimento fraudulento encontra-se amplamente empregado, como nas áreas hospitalar, de informática, indústria de entretenimento (cinema, teatros, eventos) e veículos de comunicação. Nas mais diversas empresas de comunicação (escrita, radiofônicas, televisivas e veículos de comunicação virtual), tornou-se a tônica a contratação de jornalistas, apresentadores de TV, artistas etc. por meio de empresas individuais abertas somente para a prestação dos respectivos serviços, que se desenvolvem com pessoalidade, subordinação, onerosidade, habitualidade, alteridade, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, até porque constituem típicas atividades-fins, essenciais ou permanentes destas entidades.” [8]

Por tal razão que, conforme já fora abordado anteriormente nesta coluna [9], não é possível equiparar a “pejotização” com a regular terceirização de serviços, pois conquanto na terceirização há a efetiva triangulação das atividades entre a contratante, empresa contratada e o empregado prestador de serviços, na “pejotização” o trabalhador será, a um só tempo, a empresa contratante e o prestador de serviços (conversão de um CPF num CNPJ).

E não obstante tais ponderações acadêmicas, na prática verdade seja dita que, atualmente, a Suprema Corte vem chancelando, como constitucionais, outras formas alternativas de trabalho que não a típica relação de emprego regida pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Nesse prumo, o STF, na ADC 48, reputou constitucional a Lei nº 11.442/2007, que regula a atividade do transportador autônomo de carga. Segundo a decisão, uma vez preenchidos os requisitos da norma em epígrafe, estará configurada uma relação comercial de natureza civil e afastada a configuração do vínculo de emprego do motorista autônomo.

Ainda no mesmo sentido, a 2ª Turma do STF confirmou liminar concedida pelo ministro André Mendonça que suspendeu decisão judicial que havia reconhecido o vínculo de emprego entre um ex-franqueado e uma empresa franqueadora (RCL nº 58.333).

Há também a recente decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, ao julgar procedente uma reclamação constitucional envolvendo um motorista de aplicativo e, ao final, cassar a decisão do TRT/MG da 3ª Região que reconhecia do vínculo de emprego [10]. Em seu voto, o relator entendeu que, no conjunto da interpretação da ADC 48, da ADPF 324, do RE 958.252 (Tema 725 — Tabela de Repercussão Geral), da ADI 5835-MC e do RE 688.223 (Tema 590 — Tabela de Repercussão Geral), o reconhecimento do vínculo estaria em desconformidade com os precedentes do SF. Aliás, como a decisão determinou a remessa do processo para a análise e julgamento pela Justiça Comum Estadual, houve inclusive manifestação de entidades de classe pela manutenção da competência material da Justiça do Trabalho [11].

E no julgamento da ADI 5625, que discutia a validade da Lei 13.352/2016, conhecida como Lei do Salão Parceiro, o STF, maioria de votos, vencidos os ministros Edson Fachin e Rosa Weber, fixou a seguinte tese: “1) É constitucional a celebração de contrato civil de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor, nos termos da Lei 13.352, de 27 de outubro de 2016; 2) É nulo o contrato civil de parceria referido, quando utilizado para dissimular relação de emprego de fato existente, a ser reconhecida sempre que se fizerem presentes seus elementos caracterizadores” [12].

Em arremate, infere-se que hoje prevalece no STF, em razão da maioria de votos dos ministros que integram o Tribunal — Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, André Mendonça, Luiz Fux e Nunes Marques — o reconhecimento da licitude de outras formas de relação de trabalho, que não a relação de emprego celetista (terceirização; parceria entre salões de beleza e profissionais do setor; contratação de profissionais liberais como pessoas jurídicas; motorista de aplicativo e plataforma; transportador de carga autônomo; franqueado). Portanto, é entendimento da Suprema Corte a constitucionalidade de formas alternativas à relação de emprego que permitem diversos tipos de contratos distintos da estrutura tradicional do contrato de emprego regido pela CLT.

Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes