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Impostos e Decadência do Direito do Fisco em lançamentos por homologação – CARF

Nossa observação: Os prazos de decadência e prescrição tributária são matérias que exigem cuidadosa interpretação e podem facilmente levar a erro em conclusões

Artigo Jurídico

As regras de contagem do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário estão previstas no CTN, artigos 150, § 4º, e 173, cabendo atenção à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para compreendê-las e aplicá-las corretamente.

Dentre os julgados do STJ, destaca-se o REsp 973.733/SC (Tema Repetitivo 163), de 2009, que formulou a seguinte tese jurídica:

“O prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito.”

A questão que ora se coloca é se a “atividade assim exercida pelo obrigado”, de entregar a declaração do débito e fazer o respectivo pagamento antecipado, após o prazo legal, porém, antes de qualquer ação do fisco, teria influência direta na aplicação da regra do prazo decadencial a ser adotada.

Os integrantes da 2ª Turma da CSRF entendem que sim.

Entendemos que não, pois nem o CTN nem a jurisprudência do STJ dão guarida à intepretação no sentido de que o pagamento antecipado feito após o prazo legal desloca o termo inicial do prazo decadencial, do dia da ocorrência do fato gerador (artigo 150, § 4º, do CTN) para o primeiro dia do ano seguinte (artigo 173, I), como defendem os integrantes da 2ª Turma da CSRF, a teor dos Acórdãos CSRF nº 9202-011.311, de 23 de maio de 2024 e nº 9202-011.450, de 17 de setembro de 2024.

Segundo esses julgados, a entrega da declaração e o pagamento do débito após os respectivos prazos legais, mesmo quando realizados antes de qualquer ação do Fisco e mesmo que não presentes o dolo, a fraude e a simulação, afastariam a aplicação do artigo 150, § 4º.

Observe-se parte da ementa do Acórdão CSRF nº 9202-011.311, proferido na sessão de 23 de maio de 2024, negando provimento ao Recurso Especial do contribuinte:

“CONTAGEM DE PRAZO DE DECADÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. RECOLHIMENTO E DECLARAÇÃO DE TRIBUTO DEVIDO APÓS INÍCIO DO PRAZO DECADENCIAL PELO ART. 173, I, DO CTN, CONSIDERANDO A AUSÊNCIA DE PAGAMENTO NO VENCIMENTO E A AUSÊNCIA DE ENTREGA DE DECLARAÇÃO NO MOMENTO DO TERMO FIXADO PARA O CUMPRIMENTO DO DEVER INSTRUMENTAL. ENTREGA DE DECLARAÇÃO EXTEMPORÂNEA E RECOLHIMENTO DO VALOR DECLARADO EFETIVADO QUANDO JÁ EM CURSO O PRAZO DECADENCIAL PELO ART. 173, I, DO CTN. IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO PRAZO DECADENCIAL EM FLUÊNCIA PELO ART. 173, I, PARA QUE SEJA RECONTADO PELA REGRA DO ART. 150, § 4º, DO CTN. PRAZO DECADENCIAL QUE NÃO SE SUSPENDE, NEM SE INTERROMPE. RECOLHIMENTO INTEMPESTIVO QUE NÃO SE QUALIFICA COMO PAGAMENTO ANTECIPADO… (…)”

Agora, parte da ementa do Acórdão nº 9202-011.450, de 17 de setembro de 2024, dando provimento ao Recurso Especial da PGFN:

“DECADÊNCIA. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. RECOLHIMENTO RECOLHIMENTO ANTECIPADO APÓS O INÍCIO DO EXERCÍCIO FINANCEIRO SEGUINTE. SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO. INOCORRÊNCIA. INC. I DO ART. 173 DO CTN.

(…) Ocorrido o pagamento após o início do exercício financeiro seguinte, não havendo suspensão nem interrupção do prazo decadencial, aplicável o disposto no inc. I do art. 173 do CTN para fins de configuração da causa extintiva do crédito tributário.” (sic)

Pagamento antes de ação do Fisco

Em ambos os casos se tratou de auditoria fiscal do ITR, e em suas alegações os contribuintes suscitaram a decadência por terem entregue a declaração e efetuado o pagamento antecipado antes de qualquer ação do fisco tendente à sua verificação. Assim, invocaram a aplicação da regra de contagem do prazo decadencial para a homologação do lançamento prevista no artigo 150, § 4º, do CTN, observando que ela não condiciona o pagamento a ser tempestivo, mas apenas que ocorra antes de qualquer ação do fisco e que não estejam presentes o dolo, a fraude e a simulação.

Já a Fazenda Nacional argumentou que o pagamento feito fora do prazo pelo contribuinte não pode ser considerado como antecipado e que a circunstância desse descumprimento das obrigações tributárias principal e acessória nos respectivos prazos já garantiria para a administração o direito de efetivar o planejamento de suas ações fiscais escorando-se no prazo de cinco anos, fixado pelo artigo 173, I, do CTN.

Acatando os argumentos da Fazenda, a 2ª Turma da CSRF a ele acrescentou que:

  1. o pagamento feito pelo contribuinte ocorreu fora do ano de ocorrência do fato gerador] e, portanto, não se qualifica como a “antecipação” de que trata a regra do artigo 150, § 4º;
  2. enquanto a declaração e o pagamento não ocorrem, o contribuinte possui mera expectativa de aplicação possível dessa regra. Assim, se até último dia do ano ou do exercício em que se deu o fato gerador e último dia para o pagamento do ITR não houve a declaração e o pagamento, o prazo de decadência para o lançamento de ofício tem seu início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o tributo poderia ter sido lançado;
  3. o prazo decadencial não se conta paralelamente com base nas duas regras, a do artigo 150, e do artigo 173;
  4. de acordo com o STJ, a decadência não se suspende e nem se interrompe, sendo que essa questão doutrinária somente faz algum sentido a partir do momento em que tem início a contagem efetiva do prazo decadencial;
  5. no caso da regra especial [artigo 150, § 4º], seu “gatilho” é a declaração entregue e o pagamento efetuado, desde que antes do início da contagem do prazo da regra geral, sendo que, se não presentes a declaração e o pagamento até o último dia do ano do vencimento das obrigações principal e acessória, não mais se poderia cogitar da aplicação dessa regra decadencial própria do lançamento por homologação;
  6. o pagamento feito após ter sido acionado o gatilho da regra de contagem do artigo 173, I [que se dá no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento de ofício poderia ter sido realizado], ainda que consumado antes de qualquer procedimento do fisco, não tem o condão de interromper aquela contagem já iniciada;
  7. embora não se discuta se o que se homologa é o pagamento ou o procedimento do contribuinte [apuração, declaração e pagamento], o contribuinte não pode, com esse procedimento extemporâneo [declaração e pagamento fora do prazo e no ano seguinte ao de ocorrência do fato gerador], “surpreender” a administração e pretender que a contagem do prazo decadencial retroaja à data de ocorrência do fato gerador;
  8. por fim, admite que o pagamento, mesmo feito após o prazo de vencimento, porém, desde que antes do início da contagem do prazo decadencial do artigo 173, I, pode ser considerado como antecipado e atrair a regra do artigo 150, § 4º, do CTN.

Nos acórdãos postos em relevo para fins da presente discussão, bem como noutros antecedentes da 2ª Turma da CSRF, nota-se o esforço dos conselheiros em associar seu entendimento ao que restou consolidado na jurisprudência do STJ, tantas foram a menções a decisões desta Corte judicial supostamente alinhadas às teses do colegiado administrativo.

Todavia, não é bem assim, porquanto quem se debruça com mais cuidado sobre os julgados do STJ mencionados nos acórdãos da 2ª Turma da CSRF verifica, na verdade, que em nenhum deles o tema específico da antecipação do pagamento fora do prazo foi enfrentado.

Os Acórdãos CSRF nºs 9202.007.369, de 28/11/2018, 9202-010.593, de 20/12/2022, 9202-010.594, de 21/12/2022, 9202-010.818 e 9202-010.819, estes dois últimos de 29/6/2023, todos decididos com divergências em relação à questão aqui analisada, mencionam expressamente o REsp 973.733/SP e seus votos vencedores se dizem amparados nesse repetitivo. Mas tal amparo inexiste, porque o REsp 973.733/SP não analisa a hipótese de pagamento espontâneo realizado após o vencimento.

Decisão do STJ contraria CSRF

Ao contrário do que tem considerado a 2ª Turma da CSRF, o STJ já decidiu que o pagamento antecipado exigido para que a decadência seja contada a partir do fato gerador, nos termos do artigo 150 do CTN, é aquele realizado antes de qualquer procedimento administrativo. Nesse sentido, os Embargos de Divergência no REsp 466.779/PR, Primeira Seção, julgamento em 08/06/2005, DJ 01/08/2005, Rel. Ministro Castro Meira:

“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. ART. 150, § 4º E 173, I, AMBOS DO CTN.

1. No lançamento por homologação, o contribuinte, ou o responsável tributário, deve realizar o pagamento antecipado do tributo, antes de qualquer procedimento administrativo, ficando a extinção do crédito condicionada à futura homologação expressa ou tácita pela autoridade fiscal competente.” (…)

O que os julgados STJ têm decidido, desde o referido REsp 466.779/PR, de 2005, passando pelo REsp nº 973.733/SC (Tema Repetitivo 163), de 2009, e até a Súmula 555, de 2015, é que se aplica a regra de contagem do artigo 173, I, do CTN, tão somente, à falta de pagamento, isto é, pagamento zero.

A corte, ao menos até onde se sabe, ainda não enfrentou de modo particular a circunstância de o pagamento ter se dado fora do prazo legal e/ou no ano seguinte ao da ocorrência do fato gerador do tributo, ou se enfrentou não lhe deu importância a ponto de afastar a regra do § 4º do artigo 150 do CTN.

Veja-se agora um julgado mais recente, proferido em sede de AgInt nos EDcl no REsp 1.893.596/SP (2020/0227112-5, Petição 1095008/2022), Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Primeira Turma, julgamento em 28/02/2023, Dje de 7/3/2023, cuja ementa informa:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL DO BANCO: ISS. PAGAMENTO PARCIAL. DECADÊNCIA. CONTAGEM. INÍCIO. FATO GERADOR. […]. RECURSO ESPECIAL FAZENDÁRIO: ISS. INCIDÊNCIA. […].

1. Tratando-se de tributo sujeito a lançamento por homologação, caso do ISS, a obrigação tributária não declarada pelo sujeito passivo no tempo e modo determinados pela legislação de regência está sujeita ao procedimento de constituição do crédito pelo Fisco, por meio do lançamento substitutivo, o qual deve se dar no prazo decadencial previsto no art. 173, I, do CTN, quando não houver pagamento antecipado, ou no (prazo) referido no art. 150, § 4º, do CTN, quando ocorrer o recolhimento de boa-fé, ainda que em valor menor do que aquele que a Administração entende devido (…).”

Os julgados do STJ, inclusive os citados pelos acórdãos da 2ª Turma da CSRF, seguem essa linha, ou seja, apenas “quando não houver o pagamento antecipado” é que o lançamento de ofício poderá se dar segundo a regra do artigo 173, I.

Para CSRF, prazo decadencial não se suspende

Interessante notar que, para refutar a parte do julgado do STJ que se reporta à possibilidade de adoção da regra do artigo 150, § 4º, os relatores dos dois acórdãos da CSRF ora postos em discussão argumentam, com uma ou outra diferença, “que a consolidação jurisprudencial do STJ entende que o prazo decadencial não se suspende, tampouco se interrompe”. (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.893.596/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 07/03/2023)”.

Sim, a jurisprudência do STJ é no sentido de que o prazo decadencial não se suspende e nem se interrompe, mas esse entendimento surgiu em julgamentos que, tratando de caso em que não houve o pagamento antecipado, versaram sobre a aplicação da regra do parágrafo único do artigo 173, segundo a qual há uma antecipação do prazo contido no inciso I do referido artigo quando a constituição do crédito tributário tenha sido iniciada mediante uma notificação ao sujeito passivo.

Nota-se que o contexto desses julgados do STJ está completamente desassociado do quanto tratado nos julgados da 2ª Turma da CSRF.

Além disso, não é dado ao intérprete estabelecer termo inicial do prazo decadencial condicionando-o à existência ou não de pagamento antecipado feito no prazo do vencimento do tributo. No CTN não há suporte para tal interpretação.

O que diz o CTN

Segundo o CTN, havendo declaração e pagamento antes do “prévio exame da autoridade administrativa” (caput do artigo 150), a contagem sempre começa pela regra do artigo 150, não se cogitando de iniciar uma nova contagem pela regra do artigo 173, I.

Se entregue a declaração do débito e antecipado o seu pagamento, ainda que, respectivamente, com atraso e parcialmente, aplica-se a regra do artigo 150. É o que acontece há décadas, numa interpretação que é a melhor e, inclusive, resta consolidada na doutrina e na jurisprudência do STJ.

Em face de pagamento de qualquer valor após o vencimento, incidem juros e multa de mora devidos pelo atraso, mas sem qualquer relação com o termo inicial da decadência, cujo prazo já se iniciou no momento do fator gerador.

Se o legislador, além de cominar acréscimos moratórios pelo atraso na hipótese do lançamento por homologação, quisesse alterar o termo inicial da decadência, teria deixado prescrição normativa nesse sentido, no próprio CTN. Não o fez, contudo.

Aqui, cabe salientar que a autoridade administrativa tem perfeito domínio sobre as datas de ocorrência dos fatos geradores dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, inúmeras ferramentas tecnológicas e deve se programar com base no prazo que dispõe para homologar a atividade do contribuinte, isto é, seguindo a regra do artigo 150, § 4º. Por isso é que também não pode ser acolhido o argumento de que o pagamento extemporâneo feito pelo contribuinte “surpreenderia a administração tributária e prejudicaria o planejamento das ações fiscais já programadas”.

Nos termos do artigo 150, caput, e seu parágrafo 1º, se a homologação expressa do lançamento tem um prazo fatal para ser realizado e não o é, resta caracterizada o que se convencionou chamar de homologação tácita, não cabendo mais socorrer-se da regra do artigo 173, I para salvar a inércia da administração tributária.

Concluindo, a interpretação da 2ª Turma da CSRF, na parte que exige que o pagamento antecipado requerido pelo artigo 150 do CTN, além de espontâneo, seja realizado até o vencimento ou no mesmo ano de ocorrência do fato gerador, não nos parece a melhor e deve ser reformada. Tal exigência, além de estar sustentada em premissa inaplicável para o caso, não encontra guarida nem no texto legal nem na jurisprudência do STJ. “

Odassi Guerzoni Filho é sócio do Guerzoni Advogados, ex-conselheiro do Carf, ex-delegado da Receita Federal e ex-auditor Fiscal da Receita Federal

Aurélio Longo Guerzoni é sócio do Guerzoni Advogados e Mestre em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Emanuel Carlos Dantas de Assis é advogado, mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito do Recife, ex-conselheiro do Carf e ex-auditor-fiscal da Receita Federal