Direito Tributário E Empresarial

Franquia : Nova lei e novo marco legal para o contrato – mudanças e novidades

 

Temos aqui informações e dicas importantes de profissional sobre a nova Lei de Franquias – Lei 13.966, de 26/12/2019.

O ano de 2020 se inicia com um novo marco legal para o setor de franquias no Brasil. A Lei 13.966/2019, sancionada em 26 de dezembro pelo presidente da República, após quase uma década de tramitação no Congresso Nacional, busca modernizar e aprimorar a legislação pátria relativamente ao contrato de franquia empresarial, tornando mais técnicos dispositivos da revogada Lei nº 8.955/1994 e trazendo inovações.

O texto enviado à Presidência foi parcialmente vetado, com a exclusão do artigo 6º e respectivos parágrafos, que tratavam da adoção do sistema de franquia por empresas estatais.

A nova lei é muito bem vinda na medida em que confere maior segurança jurídica a uma figura contratual que, a despeito de estar tipificada desde 1994, é marcadamente complexa, seja pela multiplicidade das relações jurídicas a que pode dar origem do ponto de vista objetivo e subjetivo, seja pela hibridez da caracterização jurídica destas mesmas relações.

A complexidade do instituto é observada já no artigo 1º da nova lei, que traz a definição de franquia, mantida em seus fundamentos com pequenos ajustes técnicos. A franquia empresarial é descrita como um “sistema”, assim como na lei revogada. Isso porque a figura amarra diversos contratos e relações jurídicas com objetos e partes muitas vezes distintos, de modo que sua compreensão e funcionalidade dependem da integração deste conjunto.

Nas palavras de Marçal Justen Filho: “Não se trata da cumulação de contrato de cessão de marca com contrato de transferência de tecnologia e outros contratos, cada um com individualidade própria. Há um plexo de deveres impostos a ambas as partes, onde a transferência de tecnologia é indissociável da cessão do uso de marca e dos demais pactos.”

A complexidade e a hibridez já mencionadas motivaram muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, passando por áreas que vão do direito imobiliário ao trabalhista. Muitas das inovações legislativas são consolidações da prática jurídica sedimentada ao longo dos anos.

Um dos pontos de maior dificuldade e interesse na caracterização do instituto diz respeito à natureza jurídica da relação que se estabelece entre franqueador e franqueado, conjugando características de contratos associativos, em que o interesse das partes é convergente, e de contratos bilaterais, em que o interesse das partes se contrapõe.

Ademais, o contrato de franquia comporta formas diversas, podendo pender da mais elementar, chamada de franquia de marca e produto (product and trade name franchising), em que ao franqueado se concede o direito de negociar determinados bens e/ou serviços e o uso da marca do franqueador, a formas mais complexas, como as franquias de negócio formatado (business format franchising – BFF), em que há uma cessão temporária do aviamento empresarial. Das formas mais simples às mais complexas aumentam as características próprias dos contratos associativos, na medida em que aumenta o controle do franqueador relativamente a aspectos fundamentais do empreendimentodos franqueados.

Justamente desta marca associativa do contrato de franquia é que nasceram as principais discussões e conflitos, principalmente nos ramos do direito concorrencial, do consumidor e do trabalho.

Podemos citar como exemplo contemporâneo de tais discussões a recente decisão da Superintendência Geral do CADE determinando que, para fins de notificação de atos de concentração, as redes franqueadas em modelos de negócio formatado (BFF) podem ser consideradas parte integrante do grupo econômico do franqueador para fins de contabilização do faturamento.

A Lei 13.966/2019 não repete uma omissão importante da lei revogada: já no artigo 1º dispõe que a franquia empresarial não caracteriza relação de trabalho entre franqueador e os empregados do franqueado, positivando a jurisprudência dominante e afastando consequências de uma visão associativa do contrato.

Outra inovação importante, desta vez atinente ao direito consumerista, é a disposição que exclui a possibilidade de caracterização de relação de consumo entre franqueador e franqueado. A responsabilização diante do consumidor final, no entanto, segue solidária, conforme as disposições do Código de Defesa do Consumidor e a jurisprudência dominante. STJ.

Também constituem consolidações jurisprudenciais a permissão expressa de que o contrato preveja as cláusulas compromissória de arbitragem e de eleição de foro e os artigos que dizem respeito à sublocação de imóveis.

Os artigos mencionados estão entre as inovações mais importantes da lei e conferem ao franqueador a possibilidade de sublocar ao franqueado o ponto comercial de operação do negócio por valores superiores aos pagos pela locação, prática vedada pela lei do inquilinato. O franqueador terá, ainda, legitimidade para propor ação para renovação do contrato de locação do imóvel, o que lhe permite manter pontos comerciais estratégicos ou que tenham recebido investimentos para estabelecimento da atividade.

Para ter validade, a sublocação mediante pagamento de aluguel superior ao pago pelo proprietário deve, no entanto, estar prevista na Circular de Oferta de Franquia, figura fundamental do contrato de franquia, abordada a seguir.

Circular de oferta de franquia (COF)
Ainda que o contrato de franquia seja considerado paritário, o legislador sempre reconheceu um desequilíbrio de poder e informação entre franqueador e franqueado. Este dado explica a proeminência dada pela lei à Circular de Oferta de Franquia (COF). O contrato de franquia é fundamentalmente tipificado em função deste documento, que passa a ter novas exigências com a entrada em vigor da lei 13.966/2019.

A COF apresenta informações fundamentais da franquia enquanto negócio e contempla os principais direitos e deveres das partes. Visa permitir que os interessados em contratar possam fazer uma boa avaliação do investimento, dos riscos e oportunidades do negócio. É um documento vinculante de apresentação obrigatória ao candidato a franqueado, e sua entrega deve ser feita com, no mínimo, dez dias de antecedência da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia e do pagamento de qualquer valor ao franqueador ou terceiros.

A revogada lei 8.955/94 contemplava quinze incisos com as informações que deveriam obrigatoriamente constar da COF. A nova lei de franquias contempla vinte e três, e determina que a COF seja obrigatoriamente redigido em português.

Um primeiro ponto de atenção é que a nova lei exige muito mais cuidado do franqueador no que diz respeito às informações atinentes às taxas periódicas pagas pelo franqueado. A COF deve, agora, especificar detalhadamente os valores, bases de cálculo e destinação das prestações devidas pelo franqueado, como aluguel de equipamentos e ponto comercial, taxa de publicidade, royalties e serviços prestados pelo franqueador.

Ainda no que se refere às condições econômico-financeiras do contrato, a nova lei exige que a COF traga informações detalhadas sobre a existência de cotas mínimas de compra pelo franqueado junto ao franqueador ou terceiros, bem como a possibilidade e condições de recusa dos produtos ou serviços exigidos pelo franqueador. O franqueador também deverá indicar a relação completa dos fornecedores a que o franqueado estiver vinculado ao adquirir bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração da franquia.

Outro ponto sensível e de grande interesse para as partes do contrato, que passa a ser obrigatoriamente detalhado na circular, diz respeito à política de atuação territorial e concorrência. O franqueado deve ter informações sobre a existência e condições de exclusividade ou preferência sobre o território de atuação e sobre a existência de regras de concorrência entre unidades franqueadas entre si e entre estas e as lojas próprias do franqueador, com especificação do prazo de vigência da restrição e penalidades aplicáveis.

A COF deve, ainda, trazer relação completa de todos os franqueados, subfranqueados e subfranqueadores da rede e daqueles que se desligaram nos últimos 24 meses (a lei anterior falava em doze meses), com nomes, endereços e telefones. A COF também deve prover aos candidatos a franqueados informações sobre existência de conselho ou associação de franqueados, seus poderes e atribuições. O legislativo chegou a discutir a obrigatoriedade desta figura para grandes redes franqueadoras, mas a proposta não prosperou.

A sanção para omissões ou entrega extemporânea da COF é um dos poucos pontos em que a reforma foi deletéria, em nosso sentir. O franqueado lesado ainda poderá arguir a anulabilidade ou nulidade do contrato e exigir a devolução corrigida das quantias pagas ao franqueador ou terceiros por este indicados, mas a lei não manteve a expressa obrigação de indenização por perdas e danos, o que pode gerar alguma discussão.

O novo marco legal das franquias confere e consolida maior liberdade contratual e segurança jurídica às empresas franqueadoras, aumentando, contudo, suas obrigações de informação, transparência e lealdade com os contratantes no momento pré-contratual, consubstanciadas na Circular de Oferta de Franquia.

As empresas franqueadoras ganham em segurança jurídica em diversos aspectos, mas deverão ter atenção redobrada com a COF para manter-se em conformidade com a lei, que entrará em vigor em 27 de março de 2020.

 

Leonardo Damian